7ª Etapa – 90 km
Oito minutos. Foi assim que eu dormi e acordei. Aquele espanhol poderia ganhar de mim na etapa de hoje, mas se ele ganhasse por mais de oito minutos, eu perderia a minha posição. E francamente, eu sabia o quanto ele era forte. Ontem no contra relógio eu tive um tempo muito bom, mas o dele foi ainda melhor. Ele só estava oito minutos atrás de mim por que teve alguns problemas mecânicos. É claro que isso faz parte do mountain bike. Eu também furei três pneus, fiquei perdido e parei pra ajudar o português, mas nada disso me coloca em uma posição injusta, e sim no meu real tempo da competição. E o tempo era bom. Era melhor que o do espanhol. Mas apenas oito minutos.
Se este número estava se tornando repetitivo na minha cabeça, eu imagino como estava para ele, que ao invés de defender a pequena fração de tempo, precisaria atacar. E o espanhol se mostrou um superatleta, forte e inteligente na administração de cada segundo.
O espanhol Salva Maharrí na bota de Breno Bizinoto
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Eu consegui entender que ele estava com uma estratégia diferente, pois já estávamos quase na metade da corrida e ele ainda não tinha iniciado o ataque para tirar a diferença de tempo. Logo, nos aproximamos do único ponto de apoio que haveria naquela etapa, e todos os atletas do pelotão se prepararam para fazer o reabastecimento. Naquele momento, lembrei daquela mochila gigante que o espanhol sempre carregava! É claro que ele não ia perder tempo no ponto de apoio! Percebi tudo, abortei o meu reabastecimento e fiquei preparado, pois sabia que o ataque iria acontecer naquele exato momento! Dito e feito, todos pararam, e o meu rival colocou um ritmo para ir longe. Acontece que eu fiquei esperto, e fui no vácuo dele. Ele demorou alguns segundos para perceber que não estava sozinho, e a partir dali, ficamos só nós dois em um clima muito decisivo.
Eu nunca competi com um atleta tão inteligente. Se eu me achei esperto por saber que ele não iria parar no ponto de apoio, ele foi muito mais, por que também sabia muitos dos meus pontos positivos e negativos. Ele me atacou no plano, por que sabia que as subidas eram o meu forte. Existe uma dificuldade de atacar no plano, que é o atleta ficar no seu vácuo e minguar a operação, mas ele apostou no oposto, e foi muito bem sucedido. Eu não consegui ficar no vácuo dele, e a nossa distância começou a aumentar. Os oito minutos se transformaram em sete minutos e alguns segundos. O que não podia acontecer era que eles fossem reduzidos a zero.
Enquanto eu fazia muita força, eu via a nossa distância aumentando. Aqui na Mongólia os campos são muito abertos, então se o cara está a 2 km de distância você ainda consegue ver ele lá na frente. E isso criava margem para muitos problemas psicológicos. Eu ficava sempre imaginando qual seria a diferença que tínhamos agora. Seis minutos. Não sabia ao certo. Ele pegou uma descida, e agora eu via ele bem mais longe, por que sua velocidade estava maior que a minha. Acho que uns três minutos agora. Na próxima subida acho que isso vai voltar para uns quatro. Três e meio, quem sabe.
Acho que eu tive que repensar o que eu estava fazendo. Sim, eu estava pedalando muito forte, mas estava pensando demais. Apesar de importante, matemática não é a minha praia. Eu estava sozinho, e era o último dia. O relógio não ia me ajudar. Ele era na verdade meu inimigo. O que mesmo que eu gosto de fazer? Eu gosto é de botar a cara no vento e sentir o capim incomodando no fundo da sapatilha. Gosto de ver a quilometragem aumentar cada vez mais, e de ver que tem um cara que veio lá do outro lado do mundo para disputar a posição de hoje comigo. E eu fiz o que eu tinha que fazer, e aquela fração de tempo não se repetiu mais nenhuma vez na minha cabeça.
Eu pedalei como se não houvesse amanhã. E realmente não havia, pela primeira vez nesta competição quase interminável. Foram 40 km nesta tocada. Quarenta intermináveis quilômetros. Os últimos são os piores. Errado. São os melhores. Foram o ponto alto da minha performance em toda a minha carreira, aonde eu exalava concentração e força. Quando eu cruzei a linha de chegada, o espanhol já estava lá. Ele terminou a corrida antes de mim, mas eu não sabia quanto tempo. Ele estava junto aos organizadores da cronometragem, contando o tempo que eu gastaria para chegar. Eu já tinha parado de fazer as contas há algum tempo.
Antes de me jogar no chão e descansar, soltei a bike e parabenizei o meu amigo Salva Marrahí, vulgo espanhol da mochila. Disse-lhe que nunca tinha disputado com alguém tão inteligente. Aí eu caí no chão. E então fiquei sabendo que os oito minutos foram reduzidos a cinquenta segundos. Cinquenta segundos! Era o novo número que não saía da minha cabeça. O espanhol precisava colocar uma diferença de oito minutos, mas só conseguiu colocar sete minutos e dez segundos. Não. Na verdade eu é que precisava defender oito minutos, e consegui manter apenas cinquenta segundos. Em uma ultramaratona cada um tem que cuidar do seu tempo, por que se você ficar olhando para o tempo dos outros, vai bater a cara no muro. E isso eu aprendi só lá na primeira etapa. O espanhol cuidou de fazer o que estava ao seu alcance, e eu, também. E a proposta é justamente essa.
Pódio da categoria Sportman (18–32 anos): Breno é vice-campeão.
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PATROCÍNIOS: SCOTT, CICLOGIRO e FUMEC
Fotos: Danielle Baker e Nel Chan